“Coxinha” é uma figura
de linguagem, um tipo ideal e uma condição humana que indica um indivíduo que, a partir de seu umbigo, fecha-se para a pluralidade de opiniões e expressões sociais. Contentando-se
com a narrativa vencedora, o ser coxinha está sempre disposto a ser o capataz
da visão de mundo hegemônica, servindo como açoite ao pensamento contrário.
Uma das situações
distorcidas pela racionalidade coxinha fundamenta intelectual e ideologicamente
a extinção do Ministério da Cultura (MinC) pelo governo atual ilegítimo.
Para o tal indivíduo, a
instituição era um lugar que distribuía dinheiro para pseudoartistas comunistas,
gays e desocupados ou, no outro extremo, para grandes artistas.
Pensa o coxinha que fusão do MinC com educação é salutar. Cultura é civilização, ordem e progresso,
bufam! Mas, a inclusão da Cultura na esfera das políticas da Educação reforça
um mito sedutor, mas, perpetuador de desigualdades e sem efetividade. a de que educação
e cultura são irmãs siamesas.
Se educação é cultura, nem tudo que é cultural é
apenas transmissão, mas, também, inovação e transgressão.
Acreditando que a iniciativa salva o cenário econômico (apesar de vários veículos demonstrarem que será simbólica e pífia a economia dos recursos), o coxinha aplaude a quebra de instituições que - a bem ou mal - produziram um apredizado institucional de quase nove décadas. Como o Instituto Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, ex SPHAN) com
sua ação que resultou na definição, apoio, e na defesa de patrimônios culturais
conformados no movimento incessante de nosso país, material e imaterial, dentre
outros. Se a economia de recursos com a extinção do Ministério será modesta, o prejuízo real da ação é alto.
Ainda em relação ao
aprendizado institucional, o MinC representava uma instituição pública com quadros
técnicos estáveis (mesmo que reduzido) oriundos de concurso público com uma das
mais amplas bases de concertação e diálogo no interior do Estado brasileiro.
Estas relações incluem desde
povos originários, quilombolas, ribeirinhos a grupos teatrais profissionais e
grandes empresas de comunicação. Disponibilizar políticas públicas para
públicos tão distintos entre si, como percebido nos Pontos de Cultura, requer
inovação da gestão pública. Como o Estado pode dialogar com esses setores em
outros ministérios?
Os recursos disponíveis
para o MinC movimentar mercados artísticos e garantir os direitos culturais
das pessoas sempre foram insignificantes. Foram ampliados, mas, nunca foram
mais que 0,07% do Produto Interno Bruto. Os recursos para a cultura são
irrisórios, perto do valor gasto em serviços e pagamento de dívidas, conforme
tabela abaixo.
Tabela:
ORÇAMENTO EXECUTADO – MINISTÉRIO DA CULTURA DO BRASIL
|
||
Ano
|
Valor – Em
bilhões de reais
|
Porcentual em\
relação ao PIB
|
2013
|
3.320
|
0,07
|
2012
|
2.616
|
0.06
|
2011
|
2.292
|
0,06
|
2010
|
2.376
|
0,06
|
2009
|
1.941
|
0,06
|
2008
|
1.870
|
0,06
|
Fonte:
TCU; relatórios de aprovação das contas do governo 2013 e 2012; inclui Fundo
Nacional, Lei Rouanet e o Ministério e suas entidades vinculadas. Elaboração: o
autor.
O coxinha pensa
que artistas vivem em torno do ministério como filhotes a mamar nas tetas
estatais. O dito cujo desconsidera a cruel e selvagem concorrência aos parcos
recursos. Apesar de atenuada por uma política de editais nos últimos 10 anos, a
base do financiamento cultural brasileiro está concentrada em torno da Lei
Rouanet, onde o eixo Rio-São Paulo, como polo central acabam por fixar a
maioria substantiva dos recursos!
E mesmo na política de editais, reduzidos recursos são disputados com milhares de concorrentes. Por exemplo, para financiar ações de projetos teatrais, o Ministério através da FUNARTE tem o edital Myriam Muniz. Em 2015, para toda a produção teatral brasileira, foram disponibilizados 4,3 milhões de reais para financiar 52 iniciativas dentre mais de mil recebidas!
Voltando a Lei Rouanet, em 2014, foram
incentivados 3.273 projetos culturais, com um montante captado de R$
1.320.307.460,89. Só que 6.057 projetos que poderiam captar, quase metade não
obteve sucesso (Fonte).
Porque alguns conseguem e outros não? No território da Lei
Rouanet, quem tende a ganhar são as empresas, abatendo recursos públicos do
Imposto de Renda, associando sua marca a valores culturais. Hoje, na área cultural,
as empresas dispõem de um grande poder de eliminar ideias e ações sem apelo e
retorno de mídia fácil. Entre o icônico Rock in Rio e um periférico grupo
teatral de Blumenau, quem tem mais chances de conseguir boas captações?
Além disso, pequenos proponentes disputam com
instituições privadas como o Itaú como se estivessem em plena igualdade. Aliás,
falando em Itaú, que possui o Itaú Cultural, com relevantes serviços, o banco utiliza
parte do imposto que pagaria na instituição que lhe é sua. Quer dizer,
o governo dá dinheiro para essas empresas investirem em marketing cultural, ao invés do que acontece nos EUA,
onde tradicionalmente as empresas disponibilizam recursos. Ou, no caso local, o
financiamento pelas empresas Hering de suas ações de marketing (o Museu Hering)
com recursos públicos na forma de renuncia fiscal.
Dificilmente, proponentes culturais conseguem a totalidade dos recursos necessários. E dinheiro de projeto, na sua grande maioria, vai para diversas atividades de produçao, outros artistas envolvidos, serviços e comércios, girando a roda da economia.
Mas, o genial coxinha pensa
que todo mundo vive nas tetas. Quem, cara pálida e máscula? Nem mesmo os casos
extremos apontados como Maria Bethânia ou Cláudia Leite vivem de Lei Rouanet.
Aliás, a Lei Rouanet, criada em 1992, permite que tais agentes culturais
participem desse mecanismo. Se é imoral para alguns, ilegal não é.
A extinção do MinC é retrocesso em todos os sentidos.
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