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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Reflexão: Política Pública e Financiamento a Cultura


lei-rouanet2Juca Ferreira e o financiamento à cultura no Brasil

Antonio Albino Canelas Rubim | Pesquisador do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) | rubim@ufba.br
O ministro da Cultura tomou posições importantes acerca do fomento à cultura e suas leis de incentivo no país. Em entrevista, ele declarou: “Sou bastante crítico à Lei Rouanet e formei minha opinião com base nos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). A lei criou uma ilusão de que haveria uma parceria público-privada financiando a cultura. Não é verdade”.
Juca Ferreira chama a atenção sobre um ponto crucial das políticas culturais nacionais atuais: sua unilateral política de financiamento.
As declarações do ministro baiano foram imediatamente repercutidas na imprensa sudestina de modo crítico. Produtores e profissionais da cultura, instalados no Sudeste, emitiram opiniões contrárias a Juca Ferreira. Explicável: 80% dos recursos captados via Lei Rouanet ficam nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro; 60% vão para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e 3% dos proponentes recebem 50% das verbas incentivadas. Os dados chocam pela brutal concentração. Ela supera mesmo a soma das atividades econômicas daqueles estados. 340x255_juca-ferreira_1492361
Os problemas não se encontram apenas na concentração dos recursos incentivados. Quando o ministro afirma que a lei não representa parceria público-privada, ele deve se basear em dados do próprio Ministério: em 18 anos de Lei Rouanet dos R$ 8 bilhões acionados, só R$ 1 bilhão veio de empresas, muitas delas estatais.
Ou seja, criadas para incentivar a captação de recursos empresariais e privados para a cultura, as leis não trouxeram recursos novos, pois a imensa maioria deles foram verbas estatais. Mais grave: estes recursos, públicos em sua quase totalidade, passaram a depender da deliberação das empresas e seus departamentos de marketing. Neste sentido, de modo perspicaz, Juca Ferreira classificou as leis como “ovo da serpente neoliberal”.
Não bastassem estas enormes distorções, que desvirtuam profundamente o fomento à cultura, as leis de incentivo, no singular formato adquirido no país, implicam outras repercussões problemáticas. Prisioneiras de interesses mercadológicos, as leis tendem a apoiar atrações de apelo mercantil e/ou eventos de visibilidade, excluindo todos os criadores, manifestações e produtos culturais, que não se submetam a tais critérios.
Ou seja, as leis de incentivo não possuem capacidade de universalizar o fomento à cultura. Como elas representam hoje 80% do financiamento do estado nacional à cultura, mais um grave problema se configura.
O descompasso entre as políticas de financiamento, centradas nas leis de incentivo, e as políticas de diversidade cultural, quase inviabiliza a realização de tais políticas no país. Desde o governo Lula e seus ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira, o Brasil adotou políticas de diversidade cultural, em sintonia com a cena internacional contemporânea. Elas reconhecem a riqueza cultural da nação como proveniente da diversidade cultural, que conforma o país e constitui a identidade brasileira.
As políticas de promoção e preservação da diversidade cultural exigem políticas de fomento de caráter universal, compatíveis e compromissadas com a diversidade da cultura no Brasil. Como as leis de incentivo não perfazem este requisito, a centralidade destas leis nas atuais políticas de financiamento comprometem as possibilidades de desenvolvimento das políticas de diversidade cultural. Para sua plena realização, elas demandam novas políticas de financiamento atentas à complexidade da cultura brasileira. Com o Ministério da Cultura atento ao problema, cabe apoiar ativamente mudanças tão necessárias ao país.

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